Radio A Toa

quinta-feira, agosto 04, 2011

O Segredo de Dinorah

Dinorah era sujeito simples, de hábitos fixos. Cinema no Santa Maria da rua 24 era com ele mesmo. Almoço a quilo todos os dias, inclusive aos domingos. Vida Discreta. Cresceu ouvindo piadinhas envolvendo seu nome. Seu pai realmente o sacaneara. Aos 15 anos foi expulso do Colégio por quebrar uma vassoura na cabeça de um infeliz, colega da época. Gritou:
-Chega, porra! Puta que pariu, caralho!!!
Nunca mais brincaram como o nome de Dinorah. Esse dia, com o tempo, ganhou contornos folclóricos. Ficou conhecido como o dia em que Dinorah deu seu único grito na vida. Dinorah cresceu e virou funcionário público. Seu crachá tinha algo que chamava a atenção de todos. Estava escrito: D. Antônio N., chefe de expediente. Junto com seu cabelo engomado, o crachá também era alvo fácil para piadinhas. Os colegas sempre brincavam tentando adivinhar o que seria o tal 'N' do cartãozinho pendurado no pescoço. Dinorah não dava brechas para engraçadinhos mais afoitos. No meio de todos havia uma menina chamada Clarice. Garota tímida, óculos de grau, pouca maquiagem. Ela se avermelhava sempre que via Dinorah passando. Depois de 7 anos, Dinorah percebeu a existência de sua vizinha de repartição. Tomado por uma coragem que nunca teve na vida, Dinorah deu um bom dia, depois de 7 meses de ensaios em casa.
-Oi, bom dia!
-Bom dia, Senhor Dinorah!
-Voce trabalha aqui desde quando?
-Com o senhor, desde 2000. Mas nesta repartição, desde 95.
-Hum! Hum Hum!
Dinorah se descontrolou. Não conseguia dizer mais nada. Apenas balbuciava algo, em uma espécie de língua morta. Clarice permaneceu estática, esperando uma continuação do diálogo. Dinorah começou a suar, suar. Três colegas já observavam este momento, terno e desesperador. Depois de muito suar, Dinorah diz:
-Falta muito para você aposentar?
Um dos colegas chega a cair da cadeira. Dinorah pensa rápido e começa a se chamar mentalmente de retardado, idiota. Clarice, meio confusa com tudo, responde que 25 anos ainda. Não se falaram mais naquela manhã. No dia seguinte, Dinorah chega de roupa nova, cabelo com mais goma que de costume, e um novo sorriso estampado na face.
-Bom dia, Dona Clarice!
-Bom dia, Sr. Dinorah!
- Que isso, menina! Pode me chamar apenas por D. Antônio N.
A mocinha sorri timidamente. Dinorah pede licença e vira já rumo à sua mesa. Clarice pergunta:
-Senhor?
Dinorah com uma cara de Jerry Lewis, volta mostrando todos os seus dentes:
- Sim?
-Posso perguntar o que significa esse 'N' em sua identificação?
Dinorah perde o rebolado. Seu sorriso amarela. Suas forças o abandonam. Clarice se arrepende:
-Desculpe-me! Sei que não é de minha conta. Mas acho que o senhor deveria mudar seu crachá. Geralmente abreviam-se o primeiro e ou segundo nomes. O sobrenome é que se destaca.
Silêncio geral. Toda a repartição pára. Intermináveis segundos ditam o ritmo desta manhã. Olhos se cruzam na platéia. Um gordinho não aguenta e cochicha:
-É agora! É agora!
Depois de muito refletir, Dinorah gesticula discretamente e calmamente responde a Clarice:
-Meu sobrenome é Normal. Meu nome completo é Dinorah Antônio Normal.
Os colegas ficaram atônitos. Todos pensaram em dezenas de possibilidades. Mas ninguém imaginou que fosse 'Normal'. Clarice então disse que faria novo cartão para Dinorah. Já com as considerações de praxe para a confecção de uma nova identidade para Dinorah no trabalho. No dia seguinte, Dinorah mal dá seu primeiro passo na sala, Clarice o chama quase que gritando. Dinorah ruborizou. Todos se viraram. Clarice mostra o novo crachá, com os dizeres:
Dinorah A.Normal. 10 minutos de histeria em toda a sala. Dinorah nunca mais olhou para Clarice. Os últimos 25 anos foram difíceis para Clarice. Desprezada por Dinorah, Clarice envelheceu com uma paixão no peito, ardente e contínua. Dinorah ficou conhecido em toda cidade como Dinorah Anormal. Até o fim de sua existência, Dinorah nunca mais sorriu e tornou-se um cerumano muito amargo. Morreu sem deixar lembranças. Ninguém se interessou por seu Corcel II ano 85, parado na garagem. Fim.

Dr.Loxton

2 comentários:

Nina Blue disse...

Muuuuuuuuuuuuuito bom, ri "demontão"!
Parabéns, meu caro Dr. Loxton!

Renato Paiva disse...

Obrigado,Nina Blue!