Radio A Toa

sábado, agosto 14, 2010

Questões narcísicas


Manoel definhava na enfermaria da ala masculina da Santa Casa. E segundo seu relato, a família não aceitava a sua doença. Sempre fora o mais culto, o mais bonito e educado dos homens daquela casa simples.
Filho de um pai servente e mãe lavadeira. A família toda, era muito simples.
Porém, Manoel desde cedo se mostrou diferente de todos os irmãos, por isso tinha sido o escolhido para ir à escola, para trazer aquela família, algo para se orgulhar e sair daquele estatus de pobreza e ignorância. Ele era o exemplar perfeito de uma família repleta de homens, todos fortes, robustos, machos e semi-analfabetos.
O estudo possibilitou Manoel de tomar o rumo da capital, e também, um trabalho burocrata em um escritório de advocacia. A vida assim ia caminhando e Manoel podia enfim, ajudar a sua gente, retribuindo com mais conforto e mesa farta, o estudo que adquiriu, graças ao trabalho árduo dos seus.
Na capital a vida era mais intensa e repleta de opções. Mas Manoel optara por uma vida simples, com poucos amigos. E quando a familia cobrava por uma esposa e filhos, ele sempre desconversava. Ninguém, talvez nem ele, precisava saber das suas lutas e paradoxos internos.
Na roça, as pessoas escutavam pouco sobre as "cousas" da cidade. Suas modices e novidades eram tratados como coisas de gente vazia. Homens então, que chegassem muito cheios de modernices, eram tachados de maricas. Imagina se Manoel ia dar motivos de conversas em esquinas, praças públicas e armazéns, claro que não...
A família enfim, tinha um varão para se orgulhar e ser objeto de comentários felizes nos casamentos, festas de aniversários e nas saídas das missas dominicais.
Anos se passaram e nem Manoel se dera conta, agora estava naquela cama, morrendo aos poucos, não fora cuidadoso, seus estudos não foram capazes de vencer preconceitos, de buscar ajuda e de tentar compreender, sem medos, a sua verdadeira escolha.
A morte de Manoel, foi na manhã do último domingo. E seu último pedido a psicóloga e ao médico que o acompanhavam, foi de que, não constasse no seu atestado de óbito, a sua verdadeira causa mortis: HIV.
A sua família não merecia, pra que?

3 comentários:

Renato Pittas disse...

Love in Vain!

Francisco de Sousa Vieira Filho disse...

Intenso, forte, realístico... com começo, meio e fim bem-definidos e clímax... quase fronteira entre crônica-conto... ;)

Nina Blue disse...

Obrigada pessoas. Voc~es me incentivam e muito. Beijo aos dois.