terça-feira, julho 13, 2010
Garrafa incontida
Seguiu-se àquela noite tumultuada aquela garrafa de água derramada, e os copos há pouco bebidos a escorrer também, caóticos no limite entrelugar da casa e da rua, no portão fechado num estrondo rouco em sinfonia dolorida do tilintar dos vidros no chão e no ‘glup glup’ em lamento da água sem destino, insuficiente para lavar o chão e a boca sedenta, ressecada de cólera a despejar em corredeiras toda a sorte de palavras, desatinadas, a desperdiçar a emoção nobre e o respeito do encontro. Seguiu-se àquela noite uma variedade de pensamentos já pensados, mas ratificados sobre a decadência da humanidade em busca de tanta materialidade e perfeição objetivada; palavras duras a desvelar a contradição do desejo do mundo, e do perdido desejo próprio...incerto desejo afogado no discurso avaliativo, figurativo, de personagens planas, planificadas pela visão nublada, conturbada, manipulada...Seguiu-se aquele esvaziamento de sentido que súbito retém o sentido do não sentido, de (re)significações em cadeia, liberdade e prisão, o outro e o que o outro possui, o outro inesperado e o que resta de si em formas palpáveis, restos que pretendem bastar, suprir a falta, a confusão da imprecisão de valores, que se bastam ainda que em equívoco enlouquecido, absortos pela camada poluidora do ar e na mente, enquanto a garrafa incontida morria na entrelinha rua vazia, até alguém passar e nem lamentar, ou estranhar, crente de que alguém viu ou (des)viu o incontido daquela água no abandono do continente...solidão...
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4 comentários:
E quantas e quantas vezes, fugimos deste horror, ver o outro vivendo o abandono de si. Triste é saber, sentir e nada fazer. Acabamos por ficar assim, totalmente esvaziados e congelados de pavor. Eu chorei.
e eu o dia inteiro ente os limites...a garrafa e o copo, a quebra e o escape da essência...por ai vai sede, a ânsia do gosto Soberana...essa moça!
Eu vivo entre e às vezes não me dou bem. É porque, às vezes, estar entre é como se eu fosse um empecilho, um estorvo. E isso é que coisa que nos expôe à beça, se é que vocês me entendem.
É Loirinha...penso que o entre é muito mais revelador, e pode assustar, inclusive a nós mesmo...mas como fugir do entre...como estabelecer limites precisos de sentimentos e ações a todo momento?
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